2009/06/22

Tudo que eu queria te dizer

Domingo, 21 Junho 2009, em São Paulo, inicia o inverno, mas estou em Fortaleza. Domingo, pensei, e o que fazer? Internet? Ir a um clube massagear meu ego? Não, nada disso. Vou ao teatro. Faz tempo que não vou ao teatro. Sendo, domingo, minha folga do trabalho, posso ver o espetáculo que tem me chamado atenção pelo título: Tudo que eu queria te dizer. (Eu havia separado vários textos da Martha Medeiros para fazer um trabalho futuro, sendo assim engaveto meu projeto por mais um tempo porque um Grupo de Teatro faz isso primeiro). Peguei o ônibus, tentando reatar algum laço com Fortaleza, andei um pouco por uma rua deserta, ouvi latidos de um cachorro, talvez um piche, pelo latido deduzi. À distância, vi a luz oscilante da viatura de polícia. Na rua, o solado do meu sapato toc toc toc...toc... Contei esse som várias vezes. Essa cidade que eu não vejo mais encanto, começava a ser rebobinada em minha memória. Olhando para trás, vi o detalhe da Igreja São Benedito. Uma Igreja bonita em seu estilo antigo e na sacada uma luz azul turquesa. Cheguei ao teatro, reencontrei o funcionário do Teatro do SESC, sempre a me sorrir. Encontrei o Josué, grande cenotécnico que não consegue viver de seu talento. Ele vende pipocas em frente aos teatros. Isso se torna mais lucrativo. Cheguei meia hora antes, adquiri o hábito de sempre chegar cedo ao teatro, quer seja para assistir ou para me apresentar.

Tudo que eu queria te dizer é uma peça que tem fome e provoca fome na platéia. Fome de vida. É como se diante da magia do espetáculo, eu tenha me dilacerado e ao mesmo tempo nunca estivesse tão inteiro, tão encantado diante do ouvir, do ver. Tem uma moça no espetáculo tão graciosa, tão como encontrar um termo apropriado para dizer a coisa certa sem minimiza-la? Ela me lembrou muito alguém do meu tempo de criança. A peça fez eu enxergar, fez eu perceber que nunca deixei de olhar os lírios nos campos. A minha vida é o que hoje sou, é o que está dentro de mim... sem sonhos e sem frustrações. Dentro de mim, há minha vida nunca exposta e por tanto discreta, e eu sou minha própria tentativa. Sou o meu mosaico em minhas tintas ressecadas e ou sempre frescas. Sou o baú que só eu mesmo conheço. Trago saudades, e no meu mundo isso é importante. A peça fala da minha vinda do interior, da minha imensa certeza que aqui tudo daria certo. O que Martinópole (minha terra natal) poderia me dar enquanto cidadão? Enquanto artista? Nada. Como nunca ofereceu nenhuma oportunidade aqueles que lá ficaram. Em minha lembranças ainda promovidas pelo bem estar do espetáculo me faziam uma Tiêta que volta, mas diferente da personagem de Jorge Amado, eu não levava dinheiro, então não poderia ser tão amado. Enfim, a peça me encantou. Eu quando li o título estava certo, da impressão que ela me causou.

Tudo que eu queria te dizer tem apetite de vida, tem lembranças nossas, tem a minha própria moldura amarela, talvez, quem sabe, e há muita certeza nisso, mas que de repente soube reluzir. E durante a peça, eu me vi, era como se eu tivesse em cena me contando em chôro ou se ficar mais bonito o termo, em essência, para um ex amor. A peça é bem cuidada, bem dirigida. E não menos lindas as palavras que o Silvério diz em uma carta deixada para a platéia. Todo o texto tem sonoridade, tem sabor em ser. Vale ressaltar, a sonoplastia que é de uma leveza peculiar.... As mãos dos músicos pousam leve em seus instrumentos. Embora eu saiba que nas canções escolhidas haja todo o samba canção, toda a angústia que não é minha.

Por que será, me pergunto, que tantas coisas calamos, que não fomos capazes de nos percebemos? O teatro tem esse poder, essa mágica instantânea... 16 pessoas assistiam a peça; quatro casais me deixaram a impressão do amor, da beleza, do ser limpo e belo. Acredito que com esse olhar, eu recomeço a percepção de minhas coisas que estavam estacionadas. Mas mesmo elas estacionadas, sempre houve em mim a clareza disso. Nunca fui alienado. Mas digamos que agora a minha fome, o meu apetite tenha uma dimensão maior de tudo aquilo que eu preciso digerir: Chego aos trinta e cinco anos sabendo o que é belo e o que possui beleza.

É esse tipo de espetáculo que a gente merece ver, aliás, que eu mereço ver. Porque na verdade cada povo vai assistir o que merece. E não ter ido ao teatro ultimamente é ter me respeitado.