O Delta está igual. Nada mudou para ele, nem nele. Nem mesmo
a vida dos nativos mudou. O sol, o pôr-do-sol possui o mesmo dourado, o vento
possui o tempero úmido nessa hora da tarde. Lugar perfeito para esquecer o mundo e sentir a vida. Tem um senhor que vive aqui, nasceu aqui há
muitos anos. Ele se tornou conhecido por todo o Vale do Rio Parnaíba porque
come fogo. E esse é também o nome como ele é conhecido. É incrível a memória dessa gente nativa.
Quando me viu, me disse: - Tenha a
impressão que já vi você, mas não pode, eu nunca sai daqui. E você nunca veio
aqui. Ele me falou sobre a lenda dos
meninos do Delta. Não sabe ele que se referia a minha pessoa e a Lindonjonson.
Quando soube meu nome, começou a rir, deixando sua boca escancarada, onde
expunha os dentes caninos. Come fogo não tinha mais os dentes da frente, ele me
disse que logo a noite, os pescadores iriam se acostar a beira da praia para
comerem peixe... E ele com era de costume poderia mastigar brasas para eu ver.
Eu já o havia visto fazendo isto. E é impressionante. Come fogo pega a brasa e
coloca na boca. Bom, ao chegar, ele soube o meu nome e ficou rindo. Depois
muito alegre me falou sobre a lenda. E disse que tinha uma fotografia dos
meninos que passava de mãos em mãos.
Rsrsrsrsrs. Ele me falou na beira da praia
que eu era o segundo Temiscri que aparecia no Delta. O primeiro havia sido o da
lenda. Ele não conseguia dizer Temístocles. Vamos lá, o nome correto: Te – mis – to – cles. Te – mis – to – cles. Não conseguiu dizer e saiu correndo e rindo, e
eu o perdi de vista no areial. Antes de
correr, ele me falou que Lindonjonson já apareceu por aqui. Tem um que todo ano
vem aqui. Vem no mês de julho, sempre após o dia 16. Estamos em julho, 14 de julho. Não acreditei
muito nisso, essas pessoas que moram nas aldeias inventam histórias, fantasiam.
Mas a lenda dos meninos existe. Já vi em
uma revista em uma reportagem sobre o
Delta. Come fogo disse que tem um homem chamado Lindonjonson que esteve
aqui e ficou interessado na lenda. Come fogo volte aqui! Ele não voltou. A
noite na aldeia, ele estava rindo a boca escancarada, quando de repente, se
levanta, atiça o fogo, tira brasas e coloca na boca. Envolta da fogueira, um
dos rapazes me mostra a fotografia. Eu e Lindonjonson... Oh, meu all star, a
camiseta de Lindonjonson, a camiseta que ele usava nas aulas de educação física
no colégio Oliveira Paiva. Uma lágrima encharcou meu olhar, mas não era
tristeza, era felicidade. Eu vivi aquele passado. A fotografia estava emplastificada. Eu lembro
que havia um fotógrafo na Lagoa do Portinho, e nos fotografou dentro da canoa.
E quando surgiu a lenda, a fotografia chegou à aldeia pelas mãos do próprio
fotógrafo. Dizem que por essa foto dois homens brigaram na praia de Barra
Grande. O dono da fotografia me disse que o homem que vem aqui todos os anos
quis compra-la, mas ele não vendeu. Prefere ter a foto. Nenhum dele me
reconheceu. O tempo deve ter mudado muito o meu rosto. Quando sorrio, agora,
próximo aos meus olhos aparecem sinais do tempo. Mas, eu me acho por todos
esses dias belo como nunca fui. Eu me libertei de alguma coisa que pesava sobre
meus ombros. E esse vento, esse vento faz eu me redescobrir. A estaca que me
aprisionou está quebrada. E esse lugar A Praia do Macapá ainda hoje consiste em
um vilarejo de pescadores com a paisagem natural ainda intocada. Com é bom olhar para esse mar, no
meio do nada e não ver estacas. Olhar
essa imensidão me deu vontade de mim mesmo, me deu vontade de ser outra vez um
dos meninos do Delta. Onde eu havia esquecido de mim, eu me lembrei.
2016/09/04
MEMÓRIAS DO DELTA . Segunda Cena
Está cansando? Senta
ai, calma. Chega de pressa. Quanto mais você corre mais você se distancia de
você mesmo. Claro, pode apertar as minhas mãos. Vai ficar ai parado, tentando
adivinhar minhas intenções? Não adianta olhar meus olhos, eles mudam, eles se
camuflam atrás de muitas intenções. O que? Claro que eu entendi a pergunta.
Perguntei o quê para ganhar tempo na resposta. Todas as pessoas charmosas fazem
isso. E eu às vezes sou um charme de pessoa. Não posso desconstruir o amor, eu
acredito nele. Você... Você está me perguntando se eu estou apto a me apaixonar.
Quem não está? Eu lhe pergunto: O que falta? Falta o entremeio. Falta a
percepção dos sentidos, se eu não tenho medo de sofrer? Não, não tenho. Tenho
medo sabe de que? Medo de não me apaixonar nunca mais. Medo da solidão. Mas
sempre que um sorriso me traduzir uma
tentativa, eu redescubro o que é o peito pulsar por alguém ou por alguma coisa.
Não necessariamente por uma pessoa. Já bebi de todas as fontes. Não, não
acredito nisso, não vejo fragilidade em você... Vejo força e covardia. Você resiste se
apaixonar, você resistir a uma declaração de amor?! Você não acredita mais? Quem mentiu o quê e
para quem? Vem, o jantar está na mesa. Você sente saudade? De quem? Por quê? Cadê esse alguém? Agora,
onde está? Ele levou um pedaço de você? Sabe, nós não somos diferentes. Sou
igual a você. É claro, cada um com o seu ritmo, com a sua intensidade. Uma vez
namorei alguém, e esse alguém me disse: -
Meu coração é trancado. E eu embriagado de um sonho romântico, disse: -
Vem, eu abro essa porta. Eu abro quantas portas forem necessárias. Mas depois,
uma noite qualquer, eu embriagado de álcool, e não mais de sonhos, me vi
incapacitado. E dentro dessa
incapacidade, vi desprezado o meu orgulho, meu amor próprio.
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