2016/08/30

MEMÓRIAS DO DELTA.



 MEMÓRIAS DO DELTA
O que ficou para ser lembrado quando anoitecesse.


Passei anos vestindo esse uniforme ridículo, para chegar no meio do expediente e ser informado que fui demitido. Filho da puta. Trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho. Isso lá é vida. Nunca mais viajei, nunca mais vi gente interessante, nunca mais li um livro. Parece que eu me perdi de um mundo certo que eu queria seguir. E hoje me resta o cansaço de tudo. “O homem é a medida de todas as coisas; das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são.” – Protágoras. A mente humana quer sempre conhecer as razões do que é.... Ou do que foi... Ou um possível será. Os povos primitivos contentam-se com explicações míticas. Eu quero me propor, ao contrário, quero uma explicação completa e cheia de sentido. A minha memória é povoada pelo conhecimento popular, religioso, filosófico e cientifico. Quero me responder sem o véu da fantasia.  Então para qual dos lados eu me recorro? Não sei como sei de uma maneira peculiar me entender ante a não explicação de mim mesmo... Quero crença, preciso de fé, e sou razão. Se o mais importante para Thales de Mileto, o pai da filosofia, é a água; se o mais importante para Anaxímenes de Mileto, é o ar, a partir de uma substância fundamental; o ar tem seu movimento incessante.  Todo o nascimento se explica por esta separação dos contrários. Toda a morte pelo seu regresso ao seio materno, então quero ainda na força do verbo me intitular alguma coisa, assim como fez Pitágoras de Samos. Mas já sou incapaz de repetir o mesmo gesto. Eu comecei,  alias, eu entrei por aqui, mas o movimento já não é o mesmo. Ele é mutável, ele que era novo, já é velho. E quem o vê não tem o mesmo impacto. Como foi que disse Heráclito: “Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado. Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo... É na mudança que as coisas acham repouso.” Será que o princípio de tudo se baseia na força dos contrários?  Quem me fez assim tão real? Você é real? Você pode ser divisível?  Ou para você se aplicam as leis e teorias de todos os elementos indivisíveis? Sou filosofia, sou médico, sou mago, o amor e o ódio, a terra, o fogo, o ar e a água. Há para tudo uma série de coisas que se encaixam. Os homens interagem com o mundo. E entre o mundo e o homem há a fantasia. Não há um conhecimento de uma verdade que não seja fracionada.  Quem foi um dos homens mais inteligentes? Sócrates poderia ser a resposta. Sócrates é diálogo, mas no meu mundo, seja qual for a irrealidade ou a verdade dos fatos, eu não tomarei cicuta. Até  podem tentar, mas eu não me permito ser obrigado a nada. Quando eu me canso, eu morro, mas por conta própria. O que é o amor dentro de mim? Posso mesmo me basear na diferenciação do mundo entre as coisas sensíveis e as coisas visíveis? Uma forma dialética de eu não te receber? Você foi embora e não valorizou a inteligência das coisas tida como a única forma de conhecer a verdade. Champanhe para brindar um encontro. Eu sou medíocre? Obrigado por pensar isto de mim. O que é que você tem contra o amor? Você não sabe amar. Ora, que bobagem, todo mundo sabe amar quando bate à química e quando há equilíbrio.  Eu não nasci para você, mas naquele dia que eu vi o sol iluminando você, seus cabelos ao vento, eu acreditei que você tinha nascido para mim. Seus cabelos, talvez mais dourado que o sol, esvoaçam-se no vento. Aquilo foi real.