MEMÓRIAS DO DELTA
O que ficou para ser lembrado quando
anoitecesse.
Passei anos vestindo esse uniforme ridículo, para chegar no
meio do expediente e ser informado que fui demitido. Filho da puta. Trabalho,
casa, trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho, casa, trabalho, casa,
trabalho. Isso lá é vida. Nunca mais viajei, nunca mais vi gente
interessante, nunca mais li um livro. Parece que eu me perdi de um mundo certo
que eu queria seguir. E hoje me resta o cansaço de tudo. “O homem é a medida de todas as coisas; das que são, enquanto são, e
das que não são, enquanto não são.” – Protágoras. A mente humana quer
sempre conhecer as razões do que é.... Ou do que foi... Ou um possível será. Os
povos primitivos contentam-se com explicações míticas. Eu quero me propor, ao
contrário, quero uma explicação completa e cheia de sentido. A minha memória é
povoada pelo conhecimento popular, religioso, filosófico e cientifico. Quero me
responder sem o véu da fantasia. Então
para qual dos lados eu me recorro? Não sei como sei de uma maneira peculiar me
entender ante a não explicação de mim mesmo... Quero crença, preciso de fé, e
sou razão. Se o mais importante para Thales de Mileto, o pai da filosofia, é a
água; se o mais importante para Anaxímenes de Mileto, é o ar, a partir de uma
substância fundamental; o ar tem seu movimento incessante. Todo o nascimento se explica por esta
separação dos contrários. Toda a morte pelo seu regresso ao seio materno, então
quero ainda na força do verbo me intitular alguma coisa, assim como fez
Pitágoras de Samos. Mas já sou incapaz de repetir o mesmo gesto. Eu comecei, alias, eu entrei por aqui, mas o movimento já
não é o mesmo. Ele é mutável, ele que era novo, já é velho. E quem o vê não tem
o mesmo impacto. Como foi que disse Heráclito: “Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado. Você
não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda
outras sempre vão fluindo... É na mudança que as coisas acham repouso.” Será
que o princípio de tudo se baseia na força dos contrários? Quem me fez assim tão real? Você é real? Você
pode ser divisível? Ou para você se
aplicam as leis e teorias de todos os elementos indivisíveis? Sou filosofia,
sou médico, sou mago, o amor e o ódio, a terra, o fogo, o ar e a água. Há para
tudo uma série de coisas que se encaixam. Os homens interagem com o mundo. E
entre o mundo e o homem há a fantasia. Não há um conhecimento de uma verdade
que não seja fracionada. Quem foi um dos
homens mais inteligentes? Sócrates poderia ser a resposta. Sócrates é diálogo,
mas no meu mundo, seja qual for a irrealidade ou a verdade dos fatos, eu não
tomarei cicuta. Até podem tentar, mas eu
não me permito ser obrigado a nada. Quando eu me canso, eu morro, mas por conta
própria. O que é o amor dentro de mim? Posso mesmo me basear na diferenciação
do mundo entre as coisas sensíveis e as coisas visíveis? Uma forma dialética de
eu não te receber? Você foi embora e não valorizou a inteligência das coisas
tida como a única forma de conhecer a verdade. Champanhe para brindar um
encontro. Eu sou medíocre? Obrigado por pensar isto de mim. O que é que você
tem contra o amor? Você não sabe amar. Ora, que bobagem, todo mundo sabe amar
quando bate à química e quando há equilíbrio.
Eu não nasci para você, mas naquele dia que eu vi o sol iluminando você,
seus cabelos ao vento, eu acreditei que você tinha nascido para mim. Seus
cabelos, talvez mais dourado que o sol, esvoaçam-se no vento. Aquilo foi real.
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